TERMINAMOS MAL, FAUSTO WOLFF
“Começamos mal, Luíz Horácio.” Essas foram as primeiras palavras que Fausto Wolff me destinou graças ao meu atraso de dez minutos para uma entrevista marcada por telefone.
A seguir quis saber das razões do meu interesse em entrevistá-lo e quais informações a seu respeito eu trazia.
Disse-lhe que tanto me interessava sua obra como suas posições pessoais. “Mas o que dizem de mim, que tipos de informações você recebeu?” Com a sinceridade temerosa respondi: “Disseram que você é a pessoa mais grosseira do Rio de Janeiro, um jogador, um viciado, mais fácil marcar entrevista no jóquei, e bêbado.”
Encheu um copo com uísque e gelo e começamos a entrevista. Tensa a princípio, ele parecia contrariado, prazerosa logo a seguir.
Ao terminarmos a garrafa de uísque jazia sem utilidade. Nos despedimos e antes que eu alcançasse a porta de seu apartamento em Copacabana ele me chamou: “Espera! E agora o que você tem a dizer a meu respeito?” Novamente assaltado pela sinceridade temerosa, respondi; “ Digo que você é bêbado apenas”. E nos abraçamos num abraço que ainda hoje me envolve.
Assim era o Fausto que me permitiu várias palavras, algumas nas orelhas de dois de seus livros; Um lobo atrás do espelho e A milésima segunda noite. A meu respeito disse algumas frases no Pasquim e no JB, lembro que na época, eu vivia meu terceiro casamento, disse a minha mulher que colocaria num quadro, e ela: “deixa de bobagem, pra que tanta vaidade?”Os jornais estão comigo. Vivo meu quarto e derradeiro casamento e já mandei emoldurar os jornais. Em meu primeiro romance, Perciliana e o pássaro com alma de cão, está um dos maiores presentes que Fausto me deu, o prefácio, mas eu, aluno torto, abusei e o transformei em personagem desse mesmo romance. Ele nunca reclamou.
Um dia, eu queria guardar aquele Fausto para mim, decidi gravar um documentário com ele, sobre ele. Coincidentemente demos inicio a gravação em 01/08/2003, aniversário de dez anos de minha filha Thamara. Dias antes ao perguntar o que ela queria de presente, respondeu: “quero um presente vivo”. Imaginei um ramster. “pai, ramster é coisa de viado” Um presente vivo, logo me veio uma tartaruga, eram vendidas na Siqueira Campos entre Tonelero e Barata Ribeiro. “Cara, não vai me dar uma tartaruga, tartaruga nunca vale quando se examina possibilidades.Tartaruga é um tijolo atrevido, um tijolo com excesso de personalidade, não é um bicho.”
Antes da hora marcada estávamos no Fausto, ou melhor, o encontramos quando entrava num táxi, pegamos carona, chegamos juntos. No elevador ele perguntou a idade de Thamara e ela informou que naquele dia completava dez anos. “Então temos que comemorar”.
Enquanto gravávamos Thamara dividia sua atenção entre os potes e potes de sorvete e o olhar atento ao Fausto. Naquela manhã /tarde todos nós tivemos uma grande aula de sinceridade, acima de tudo. Terminada a gravação, minha filha mereceu ainda mais atenção de Fausto. Ele pedira a Cláudia, sua incansável secretária, que providenciasse um bolo. E o bolo foi providenciado, como vela e o parabéns que o coro dos desafinados cometeu.“Cara este é o meu melhor aniversário” ouvi de minha filha enquanto nossas lágrimas escorriam.
E Fausto inventou uma desculpa para se afastar da sala e “fugiu” pelos fundos, tinha um páreo que ele não podia perder.Foi Cláudia que informou: “Seu Fausto pede desculpas, foi ao jóquei, disse que não se despediu porque não agüentaria, mas fiquem à vontade, dona Mônica já ligou, está chegando.”
Saímos e logo paramos no bar Lucas, na Av. Atlântica; Marcelo, Nina, Saraiva,Santarosa, Luciano, Tanussi, foi lá que Thamara falou: “Obrigado, pai. Foi o presente mais vivo que você podia ter me dado.” Ela se enganava, aquele presente não fora dado por mim, era obra da amizade.
E assim era Fausto , não apenas com minha filha, mas com todas as crianças.
E agora Fausto? Lembra que no final de 2006 você me chamou de traidor porque você não identificava entre seus e-mails um conto que eu enviara repetidas vezes, lembra? Pois é, você me chamou de traidor e quis saber se o que eu queria era grana, lembra? E por isso deixei de procurá-lo por mais de ano? Não sou bêbado, mas você sequer desconfiava que ainda sou muito mais burro que você. Pois é Fausto, chegou a minha vez de acusá-lo de traição. Você me traiu, Fausto, que merda Fausto, nunca é hora de morrer Fausto, porra Fausto!
Confesso: não tenho traços de espiritualidade e não acredito em vida depois da morte. Morreu acabou, uma merda, mas é assim. Ontem uma amiga escreveu para mim dizendo que Fausto tinha nos deixado, detesto esses eufemismos. Fausto não nos deixou, Fausto morreu. Alguma coisa matou o Fausto.
O Fausto que me deu de presente um time de pessoas que fazem a vida valer a pena, talvez eu esqueça alguns, agora lembro do Marcelo Backes e a Nina, do Ziraldo, do André Seffrin, do Luís Pimentel, da Rosemary Alves, a Rose da Bertrand e seu filho Rafael, do Jean Scharlau, da Mariana Roiler, do Renato da ed.Revan, do Antonio Lobo, do Chico Caruso, da Denise da Toscographic. Não preciso incluir a Mônica, antes de ser mulher do Fausto, a fada que o protegia.
Fausto gostava de reunir seus amigos em seu amplo apartamento da Atlântica, certa vez, casa lotada, antes do seu primeiro discurso; geralmente ele proferia três, mandou essa: “Que maravilha, tanta gente e nenhum filho da puta!”
Mas o que era um filho da puta para o Fausto? Todo aquele que desrespeitasse o ser humano, sobretudo os mais humildes.
Fausto também assustava, gerava antipatia, sobretudo naqueles que não o conheciam muito bem. Assim se deu com um casal de amigos, o Ronaldo Amaral e a Marília, que convidei para comemorar uma passagem de ano no apartamento de Fausto. Lá pelas tantas Fausto, sério e bêbado, deu uma ordem e disse que todos teriam de obedecer pois ele estava pagando tudo. Brincadeira que meu amigo não entendeu assim e aqui publicamente peço desculpas em nome do Fausto.Mas quem de seus amigos não teve de um dia pedir desculpas em nome do Fausto? Fausto nos colocava em seu barco, ser amigo de Fausto sempre teve seus prós e seus contras, mas era daquelas pessoas que eu gostaria que morassem no ap. ao lado do meu, assim como meu pai e meus filhos.
Por um tempo fundamental em minha formação de escritor e de homem, trabalhei como seu secretário. Costumava chegar por volta de oito horas e já encontrava o Fausto escrevendo, sem camisa, só de cuecas “ao lado do mar” de Copacabana. E para quem não sabe ou desconfiava do contrário, revelo;o Fausto não bebia uma gota de álcool enquanto escrevia. Nessa época quando escrevia Olympia que fiz, com ele, meu curso de Literatura . O da universidade não acrescentou nado ao que meu pai e Fausto já tinham me ensinado.
Por volta de meio-dia ele parava de escrever e me chamava: “Meu filho, quer ouvir?” E lia a sua produção. Perdi as contas de quantas vezes chorei ouvindo Fausto.
É por tudo isso, Fausto, que “to puto contigo”, traidor, fujão. Você traiu a mim, Thamara, Mônica e mais uma porrada de amigos, não tínhamos combinado essa palhaçada de você morrer.
“Terminamos mal, Fausto Wolff!”
Mas você se engana, não serão essas minhas últimas palavras para você, prometo incomodá-lo até enquanto essa maldita morte não me transformar também num traidor.
Eu te amo Fausto Wolff. Sempre te amei.
Ia esquecendo; quando eu lia O lobo atrás do espelho ainda no disquete e me emocionava liguei para o Fausto para saber como ler chorando. Agora, Fausto, queria ligar para perguntar a você como escrever chorando. Não foi fácil, Fausto, você me paga...
Luíz Horácio
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
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Um comentário:
Li apenas hoje, Luiz. E que inveja boa esta que senti. Parabéns pelas belas recordações com este que acho o melhor jornalista e escritor de nosso tempo. Pessoa humana, como lido sempre em seus textos e neste agora teu.
Abraço.
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