QUEM AMA LITERATURA NÃO ESTUDA LITERATURA
Quem ama literatura não estuda literatura – ensaios indisciplinados é um livro despretensioso, porém de suma importância com uma mínima ressalva. O autor parte da literatura para o cotidiano e também faz o caminho inverso sem atropelos, um deleite para o leitor.O título Quem ama literatura não estuda literatura pode, num primeiro momento, parecer estratégia de marketing, objetivo principal: chamar atenção e depois, quem sabe, entrar no mérito. A publicidade, é importante dizer, não entra. Joel Rufino dos Santos soube montar sua equipe, reuniu personagens, reais ou imaginários: Darwin, Marx, Napoleão, o dr. Cláudio de O ateneu e o Ismael de Anjo negro e deu um nó no senso comum acadêmico, literário ou o que quer que remeta a repetição de informações, terreno onde os professores universitários, a maioria, adora se movimentar. É nesse lodaçal que eles "brilham" analisando obras que só eles leram e definem o que é bom e o que é execrável. Sim, execrável, para eles não existe meio termo. Quem ama... é a despedida de Joel Rufino das salas de aula, no entanto no transcorrer da leitura (da aula?) o leitor atento perceberá não uma despedida, mas um convite ao conhecimento.
Diferentemente do que costuma ocorrer com seus colegas, Joel não puxa a brasa apenas para o seu assado, não faz da literatura algo sublime, muito pelo contrário, a expõe, examina sua função e suposta utilidade, eliminando assim qualquer possibilidade de glamour em torno dessa arte. Fez com que recordasse de recente entrevista de nosso colega Luiz Paulo Faccioli : "o compromisso primordial que o escritor tem para com a sociedade é o de produzir literatura."
Mas isso é óbvio você pode pensar apressado leitor das superfícies, lógico, ainda não sabe que o óbvio é o mais difícil de ser explicado e, no seu caso, assimilado. Tão óbvio o rigor de Luiz Paulo para com a literatura o que nos leva a lamentar que tal obviedade não ocorra em outras profissões, como a medicina, os profissionais do futebol, para não nos alastrarmos pelo vasto terreno dos charlatões.
Mas voltemos a Quem ama... e sua singela abordagem das relevâncias literárias e culturais de modo geral.
Ainda me socorrendo da frase de Luiz Paulo e diante da quantidade cada vez maior da rala literatura contemporânea onde os pseudos escritores não produzem literatura e sim frágeis boletins de ocorrência, meu amor se faz a cada dia mais frágil.
Não sei ao certo se amo a literatura, antes preciso definir se é ela que me faz sofrer ou se é por meio dela que extravaso meus sofrimentos, o certo é que para amar literatura é necessário que "neguinho" tenha um quê acentuado de masoquismo. No cenário atual onde os escritores conseguem fazer literatura sem que o pensamento seja refém da emoção, amar significa correr risco ou a certeza do aborrecimento. Estranhou, inculto leitor, pensamento e emoção? Saiba então que o pensamento que atua na literatura é a emoção sistematizada, emoção que foge ao habitual, até alcançar dignidade e convicção. Entendeu? Não? Quer dizer que a razão não é o bastante para escrever um grande romance. Ah agora foi! É isso, e quando amar se torna difícil estudar passa a ser castigo. Em nosso ofício de resenhistas e o particular de professor somos forçados a estudar e o caminho único é aprofundar a leitura dos clássicos, sempre. Joel Rufino traz Dostoievski, Nelson Rodrigues, Lima Barreto,Freud, Balzac, Raul Pompéia, Alejo Carpentier, e fura o cânone ao não justificar seus pontos de vista com Machado de Assis, no entanto dispensa a Lima Barreto atenção mais que merecida e exagera ao creditar a Nelson Rodrigues responsabilidades sociológicas e antropológicas. Atenção novamente você apressado e espírito suíno leitor, as conclusões acima são de inteira responsabilidade e risco deste aprendiz.
Aproveitando a deixa , impossível não destacar o esclarecedor e imperdível estudo sobre a análise do trabalho a partir de O Capital do imprescindível Marx. Didatismo na dosagem exata, estímulo à curiosidade de todo universitário não tão alienado. Vale o livro
Quem ama...traz quatro ensaios Perturbadores do Sono do Mundo; Madalena, ou a falsidade da Literatura; Quem ama mata e Nos arredores do NorteShopping de fio condutor comum, porém com temática bastante diversa o que dispersa a atenção do leitor, se no primeiro Joel é muito mais sociólogo, dos melhores é bom que se diga; no segundo faz uma análise, distanciada até onde o possível lhe permite; da literatura e do fazer literário, no terceiro Joel parte do parricídio cometido por Suzane von Richthofen e segue por detalhada exegese da peça Anjo Negro do superestimado Nelson Rodrigues, deixando clara a perda de fôlego do autor que fecha o volume com seu quarto ensaio, o mais frágil, apesar da imperdível e irônica, no que isso possa ter de melhor, abordagem da obra e autor Lima Barreto.
Quem ama literatura não estuda literatura, o título que despertou a atenção do curioso leitor ao final da leitura se tornará algo de menor importância tamanha a qualidade de informações que o autor apresenta ao longo dos 3 primeiros ensaios principalmente. O quarto, se não chega a manchar o volume também pouco acrescenta e faz com que o autor sucumba a execrável norma vigente de a tudo relacionar com a contemporaneidade, com o pós-moderno e aí cabe tudo, Collor, TV, a frase preferida do tosco de nove dedos "nunca na história desse país...", a nefasta e gasta questão: novela de tv é literatura? A essa pergunta que Joel formulou como provocação a seus alunos peço licença para agregar uma outra tão relevante quanto: novela de rádio é literatura?
Antes de encerrar permita, quase comovido leitor, uma breve reflexão suscitada por Joel após leitura das páginas iniciais onde ele aborda a utilidade da literatura.
O que, de fato, constitui a literatura? Se o que constitui uma coisa é, basicamente, a sua função, a literatura se constitui, em primeiro lugar, de inutilidades. Muitos escritores – entre eles Jorge Luis Borges – deram esta definição de seu ofício: a literatura não serve para nada.:
Depois de reler o trecho hoje pela manhã, recebi o telefonema de uma mulher, querida deste aprendiz, se despedindo...para sempre. Olhei minha montanha de livros e chorei. Não sei quem desligou o telefone, a literatura tem um compromisso com o trágico, gostaria que pelo menos servisse para destruir a dor, a solidão e o nada que me invadiu após o telefonema.
Seja o que for sou forçado a concordar com George Steiner quando diz que " a critica de literatura procede da falta de amor." E esvaziado de amor enveredei pela leitura de Quem ama literatura não estuda literatura e cheguei ao seu final apaixonado pela busca de um conhecimento cada vez maior.
Encerramos lembrando Quixote, surrado e apedrejado por persistir em suas ilusões- por que ele nos comove até as lágrimas ,por que ele nos acompanha, por que nos sugere que esta vida faz sentido no final das contas, a despeito de tudo.
Obrigado Joel, perdoe Luiz Paulo por me apropriar da frase sem pedir licença.
Luíz Horácio
TRECHO
O racismo e sua forma benigna, o preconceito racial, têm algo em comum: ambos se enraízam na psique sob a forma de esquizofrenia – uma repartição da mente com a conseqüente substituição da realidade pelo delírio. Assim, por exemplo, o brasileiro rejeita o negro, sendo ele próprio a síntese de negro, branco e índio; e substitui o negro real pela idealização do negro (sujo, sensual, burro, etc.). Essa vertente profunda do racismo não foi captada pela sociologia, mas pelos grandes artistas e escritores, uma vez que são fenômenos inconscientes, simbólicos e afetivos. Alguns desses criadores, como Guimarães Rosa e Nelson Rodrigues, eram reacionários, ou conservadores no plano político-ideológico, o que parece indicar, entre outras coisas, que direita e esquerda no Brasil partilham os mais importantes "mitos de fundação" do país, como, por exemplo, a crença geral de que negro rico não sofre preconceito. Anjo Negro é a demonstração contrária.A riqueza e o poder de Ismael são a origem da sua verdadeira danação: o ódio ao próprio nascimento, "Odiei minha mãe, porque nasci de cor". O incômodo que Anjo Negro causa no público, toda a vez que é re-encenado, é geral. Nem brancos nem negros gostam de "tratar disso" e os negros politizados (movimentos negros) não gostam de "tratar disso dessa forma". Que forma? Sem piedade nem hipocrisia. Em Anjo negro não apenas os brancos odeiam os negros, é um Grande Negro que odeia a si próprio e a todos os negros da face da terra. Eis o homem danado e solitário, de que falava Franz Fanon nos anos 1950
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
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