quarta-feira, 9 de abril de 2008

UMA DATA QUE NÃO SERÁ

Está lá na parede da entrada do túnel perto do Rio Sul, quem vem de Botafogo, nunca sei se é o Túnel Velho ou se é o Novo, digamos que seja o Novo. Vamos recomeçar então.
Está lá na parede da entrada do Túnel Novo,quem segue para Copacabana, em algarismos do meu tamanho, 2047. Então me pus a pensar nessa data, 9 de abril de 2047...o pensamento me deu um drible e levou a pensar na Ana Cristina César, cujo grande poema foi seu suicídio, tanto que a mantém viva até o presente, em seguida me levou a uma atriz francesa Virginie que conheci durante umas filmagens aqui no Rio e a Maria, uma portuguesa, autora do roteiro, também a conheci durante as filmagens. Virginie viria a ser mais um de meus amores e Maria, uma grande amiga.
A portuguesa é escritora em Portugal, vive em Sintra e costuma ligar semanalmente, Virginie vive em Paris e telefona com o dobro da frequência de Maria.
Maria tem dois romances publicados, o primeiro foi praticamente ignorado pela imprensa de lá, o segundo foi completamente ignorado. Nos últimos meses seus telefonemas têm sido fartos em lamuriosas repetições. Ontem, por volta das 23h ela ligou, sua última frase foi: "Vou me matar e...depois eu volto."
2047...quando esta data chegar estarei morto. Que merda! Agoro me pego pensando sobre o nada, sobre um tempo que não testemunharei, mas Yago estará aqui, Luísa , Thamara, Pablo, Ana Paula Maia e Nina também estarão aqui. Carlinha, Stela e Maria Lina assim como Vanessa, Catiani, Karina e Thais também se farão presentes. Eu não estarei mais aqui.
Eu tenho medo da morte e assumo, está cheio de neguinho cagão por aí dizendo que não tem medo, que morrer é só uma passagem...Uma passagem o cacete, neguinho morreu já era e se não tiver feito uma grande merda, como Collor por exemplo ou escrito alguns livros excelentes como o Erico Verissimo, o esquecimento será sua grande reencarnação.
Pois é, dia 17 lanço meu segundo livro "Nenhum Pássaro no Céu", mas não estou nem um pouco feliz, estou fazendo as contas, a morte se aproxima, deletei os 95% que já tinha escrito do meu terceiro livro, não sei se valerá a pena.
2047...o que que eu tinha que olhar para aquela parede? Que merda ler uma data que você não alcançará, bem no meio de uma manhã ensolarada.
Enquanto o carro andava me dei conta que já não posso mais amar, amar seria encomendar a dor da futura amada...não, não posso mais amar.Talvez não deva mais escrever.
Logo eu que tanto tentei ser original agora me pego pensando em ligar para vocês repetindo a frase de Maria: "Vou me matar e...depois eu volto".
Repleto de medo a caminho de casa entrei na Livraria da Travessa e comprei Ébauches de vertige, do E.M. Cioran. Se vivo fosse, esse romeno imprescindível, ontem teria sido seu aniversário de número 97.
E eu com medo da morte e prometendo nunca mais olhar para aquela parede do Túnel Novo comprava um de seus livros eternos.

5 comentários:

Ítalo Ogliari disse...

Realmente é algo nada agradável de se olhar! 2047. Que coisa...

Um abração
Ítalo

laura disse...

assustador de tão belo.
Retrato do seu talento inquieto
beijo
Laura

Unknown disse...

O mundo dá voltas, assim como a vida e a morte.
Esqueça 2047, deixe de ser emo, continua escrevendo e fazendo o que vc faz de melhor: ser pai.

BENTANCUR disse...

Cara: 2047... Olha, eu não me considero valente nem cagão nem nada. Simplesmente 2047 está muito longe. Tanto que em meses Luíz Horácio, tu mesmo, escreveu o fecho de uma trilogia e nesse mesmo período (menos de um aninho entre os 39 anos que ainda restam até a data citada) exterminou com o romance todo ou quase todo. Morres e ressuscitas a todo instante. Um dia, é verdade, virá o repouso de não morrer mais. Enquanto não vem esse repouso, pára de te cansar à toa. À toa não, que essas tuas reflexões mexem e muito com a gente. Nos botam contra a parede ou nos arrancam um sorriso desde o fundo de nossas provisórias certezas. Para começar (ou terminar), meu velho, tu não morre de jeito nenhum: a prova é a mensagem de Thamaxvz, que o aconselha a continuar escrevendo (o que, tenho certeza, continuarás, pelo tempo que te for cabido) e fazer o que melhor sabe: ser pai. Pô, eu, que sou pai de duas moças, até renasci depois de topar com esse consagrador comentário-conselho. Tu tá perdio, Luíz: viverás agora e depois, independente do quanto tua consciência possa acompanhar a tua vida. Muitos não te enterrarão, nem morto.

Do teu leitor.

Marcio Paschoal disse...

04 de 02 de 2009. Li e gostei muito. Adoro essa sua canalhice de citar autores eruditos e quase anônimos rsrsrsrsrss
romeno imprescindível....
só tu, cara de tatu.
no mais, texto delicado e- por que não? -, imprescindível para quem gosta dos seus escritos. Valeu.
Marcio Paschoal, carioca de nascimento, e romeno por adoção.